As emoções são processos mentais extremamente poderosos, ligados a momentos de mudança e transformação pessoal. Muitos de nós tivemos (ou teremos) aqueles momentos em que nos sentimos tocados e até mesmo dominados por uma emoção ou sentimento. A zanga perante situações de injustiça ou indignação. A tristeza por quem partiu. A alegria e orgulho por uma nova etapa no desenvolvimento dos filhos. Profundamente enraizadas no nosso sistema nervoso, as emoções são essencialmente avaliações sobre o grau de negligência, ameaça, "fome" ou satisfação de necessidades de sobrevivência, adaptação e bem-estar. Informam-nos como nos "corre" a vida, momento a momento, alertando-nos de que algo importante para nós perdeu-se (no caso da tristeza), que os nossos limites pessoais estão a ser pisados (zanga), que uma ameaça está presente (medo) ou que algo valorizado por nós está a acontecer (alegria). A par disso, as emoções preparam-nos para agir no nosso melhor interesse. Um bom exemplo disso é o medo, por exemplo, que desencadeia uma série de reacções no organismo (tensão muscular, aceleração do ritmo cardíaco e respiratório) de forma a preparar-nos para lutar ou fugir de uma ameaça. Contudo, apesar de serem essencialmente processos mentais ao serviço da adaptação aos "problemas das vida", por vezes os estados emocionais criam-nos dificuldades devido à sua intensidade, (in)adequação ao contexto ou quando se mantêm activas e "acesas" quando as circunstâncias não as justificam: a ansiedade que apodera-se de nós quando temos de falar em público ou o "perder a cabeça" numa discussão mais acesa. É aqui que reside uma das contradições ou paradoxos das emoções: apesar de na sua essência serem processos mentais que nos ajudam a lidar com a vida, as emoções são frequentemente fonte de problemas e dificuldades. Uma parte importante na resolução desta contradição parece estar relacionada com a forma como as emoções se desenvolvem no ser humano. Apesar de uma parte importante das respostas emocionais ser igual e partilhada entre as pessoas (no sentido que, por exemplo, uma ameaça desencadeia uma resposta de medo), outra parte é única e exclusiva a cada um de nós, sendo o resultado das experiências activadoras de emoções que fomos tendo e acumulando ao longo das nossas vidas. Um bom exemplo disso ocorre quando sentimos tristeza ao ver um álbum de fotos antigo e deparamo-nos com uma fotografia de alguém que já partiu. Essa tristeza, juntamente com as restantes emoções e sentimentos (ternura, por exemplo), pensamentos, memórias e imagens decorrem de processos mentais única e exclusivamente nossos. Crê-se que uma parte importante das nossas respostas emocionais desadaptativas também advêm da nossa história de desenvolvimento, activando-se automaticamente em determinadas circunstâncias. Um bom exemplo disso parece ser a vergonha. Como qualquer emoção, a vergonha pode ter uma função de ajudar a nossa adaptação ao nosso meio (especialmente o meio social), sinalizando a nós (e aos outros) que nos expusemos em demasia, ou que determinados valores e regras sociais foram quebrados, promovendo a pertença a um grupo, potenciando a compaixão e perdão dos outros. Ao mesmo tempo, a vergonha pode ser uma emoção extremamente dolorosa, devido à sua ligação estreita à identidade pessoal, estando este sofrimento por detrás de expressões como "perder a face", "enfiar a cabeça na areia" e "morrer de vergonha". No dia-a-dia, a vergonha surge quando temos a percepção (real ou "sentida") de que os outros vêem um acto ou uma característica nossa (ou de uma pessoa próxima) como inferior, com falta de valor ou dignidade , originando uma experiência de desadequação, inutilidade ou imprestabilidade. Tendo em conta esta percepção de inferioridade, não é de admirar que a vergonha motive-nos a escapar, fugir ou esconder, de forma a que estas "falhas" pessoais não sejam expostas. Nesse aspecto, a expressão "esconder-se num buraco" parece captar bem este aspecto da vergonha: é a emoção da indignidade e inferioridade. Este tipo de vergonha, dolorosa e desadaptativa, tende a desenvolver-se no contexto de situações repetidas de crítica, rejeição, negligência e intimidação, criando memórias de episódios de experiências de vergonha. São estas memórias que, na idade adulta, são facilmente despertadas por situações aparentemente vulgares e quotidianas: um comentário inofensivo de um familiar que é sentida como uma crítica pessoal ou um raspanete do chefe no trabalho que desperta um chorrilho de pensamentos auto-críticos, activando um conjunto de processos e conteúdos mentais que têm como tema comum a inferioridade e a auto-desvalorização: memórias de situações de humilhação no passado, pensamentos auto-críticos, sensação de afundamento no peito, "vontade" de desaparecer ou fugir. Neste contexto não é de admirar que alguns tipos de vergonha tendem a estar associados a vários tipos de sofrimento psicológico: depressão, ansiedade, ansiedade social, stress pós-traumático, perturbações do comportamento alimentar, entre outros. Algumas referências bibliográficas: - Dearing, R., Tangney, J. (Eds) (2011) Shame in the therapy hour. - Greenberg, L. e colaboradores (1993) Facilitating Emotional Change: The Moment-by-Moment Process - Paivio, S., Pascual-Leone, A. (2010) Emotion-focused therapy for complex trauma. an integrative approach - Pinto-Gouveia, J., Matos, M. (2010) Can Shame Memories Become a Key to Identity? The Centrality of Shame Memories Predicts Psychopathology. Applied Cognitive Psychology, Appl. Cognit. Psychol. 25: 281–290 - Shahar (2014) Emotion-Focused Therapy for the Treatment of Social Anxiety: An Overview of the Model and a Case Description. Clinical Psychololy and Psychotherapy 21, 536–547
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AuthorFilipe Bernardo Archives
June 2021
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