A depressão, tal como muitas das formas de sofrimento humano, é um fenómeno humano complexo. Ainda que os seus traços principais (humor deprimido, perda de interesse por actividades de prazer, entre outros) sejam consensuais na comunidade clínica e científica, existe uma variedade considerável na forma como a depressão se manifesta. Na verdade, a mesma pessoa pode apresentar episódios depressivos bastantes diferentes entre si, consoante o contexto, fase ou momento de vida. Por vezes, para além do desânimo e desalento, há ansiedade, com preocupações contínuas sobre o presente e o futuro. Noutras, irritabilidade, quer consigo ou com outros. Noutras ainda, mais do que a falta de esperança (uma característica comum da depressão), há um sentimento de vazio e de perda de sentido de vida.
Como Psicólogo Clínico, considero que um dos pontos-chave para compreendê-la consiste na análise aprofundada destas diferentes faces e a maneira como se relacionam com alguns processos mentais característicos de quem está deprimido. Ou seja, tão importante como saber se a pessoa apresenta desalento e falta de esperança, interessa-me compreender as formas como a pessoa se trata a si e aos outros. Estes processos mentais têm sido estudados pela comunidade científica e em particular pela Psicologia. Desta investigação, têm-se retirado algumas conclusões sobre algumas das "faces" ou temas comuns da depressão. Um dos principais temas, a par da experiência ou percepção de abandono, rejeição e perda, é a auto-crítica. Enquanto deprimidas, muitas pessoas avaliam de forma negativa uma parte de si mesmas (por exemplo, um acontecimento ou característica pessoal), comparando-se desfavoravelmente em relação aos outros, considerando-se indignos ou imprestáveis, ou concluindo que estão aquém de uma expectativa pessoal, como ser um bom profissional ou um bom pai ou mãe. Estes processos mentais e os estados emocionais associados aos mesmos, tais como a culpa e a vergonha, são determinantes na génese da experiência depressiva, sendo parcialmente responsáveis pelo desânimo ou desalento, a título de exemplo. Com base nestes fundamentos, a Psicoterapia ajuda as pessoas a ganhar consciência e a compreender de forma detalhada estes processos mentais, permitindo-lhes construir um "mapa mental" detalhado e específico a cada pessoa sobre o modo como se auto-critica, avalia de forma negativa e auto-condena. Assim, torna-se possível perceber que a depressão não é causada apenas por acontecimentos externos (por exemplo, a perda de alguém importante nas nossas vidas) ou factores que estão fora do nosso controlo, mas também por elementos de carácter mais "interno". Através desta compreensão, torna-se possível transformar e mudar algumas destas formas de pensar e sentir depressivas, permitindo uma relação mais satisfatória consigo e com os outros. Algumas referências bibliográficas: - Blatt, S. (2004) Experiences of Depression: Theoretical, Clinical, and Research Perspectives. Washington, DC: American Psychological Association - Grawe, K., (2006). Neuropsychotherapy: How the Neurosciences Inform Effective Psychotherapy. New York: Taylor & Francis - Greenberg, L., &Watson,J. (2006). Emotion-focused therapy for depression. Washington D.C.:American Psychological Association Foto de Greg Martin
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AuthorFilipe Bernardo Archives
June 2021
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